20 julho 2011

III De Vuelta con el Cuaderno - Teruel - parte 03


Aqui ficam os últimos esboços feitos durante o curso - para mim, dos mais interessantes do conjunto. Há alguns anos atrás, tomei conhecimento da existência de flautas feitas a partir de ossos de abutres - uma prática milenar que remonta pelo menos há 35000 anos. Tinha lido que algures por Espanha, em Aragão mais precisamente, esta prática ainda persistia apesar de ser já muito rara. Tendo chegado a Teruel pensei: "Espera lá - estou em Aragão..." - e mais, um dos outros oradores convidados do curso era Severino Pallaruelo, grande conhecedor da região Aragonesa. Severino conhecia o filho de um ex-pastor que ainda fabricava flautas. Não tardou muito até nos encontrarmos num carro, juntamente com outros três participantes, rumando a Alcaine, que de Teruel ainda distava mais de uma hora./The last sketches from the course - for me, the most interesting from the lot. Some years ago, learned of the existence of flutes crafted from the bones of vultures -- a practise that dates back to at least 35000 years. Had read that somewhere in Spain -- in Aragon, to be more precise -- this practise still persisted, though its occurrence was now very rare. Upon arriving to Teruel, thought to myself: "Hold on -- I am in Aragon..." -- and, lo and behold, one of the guest speakers of the course was Severino Pallaruelo, a man with extensive knowledge of the Aragonese region. Severino knew the son of a former shepherd that still crafted flutes. It was not long before we in a car along with three other sketchers, moving towards Alcaine -- a village more than an hour away from Teruel.

Cipriano, Presidente da Junta de Alcaine veio receber-nos com seu pai, Cipriano Gil. Subimos juntos a um monte frente à aldeia, vista previligiada sobre a mesma, sobre as fragas e sobre o vale do rio Martín. Cipriano foi-nos contando como aprendeu a fazer aquelas flautas quando ainda era pastor, como não conhecia mais ninguém que ainda as soubesse fazer, e de como um dia uma equipa de Portugueses lhe trouxeram duas asas de abutre para que as transformasse em flautas. Uma dessas flautas, disse-nos, estaria num museu em Lisboa. O Sol foi descendo sobre o vale, por entre o coro de Andorinhões-reais e Gralhas-de-bico-vermelho, enquanto falávamos um pouco de tudo, desde a entrevista dada a um canal televisivo que Cipriano tinha dado recentemente (creio), às Cabras-ibéricas que por ali havia (mas que infelizmente não vi, apenas excrementos), à produção de tomates deste ano (a colheita tinha já sido feita)./Cipriano, Mayor of Alcaine came to greet us along with his father, Cipriano Gil. Together we climbed a hill right in front of the village, a vantage point over it, the cliffs and the river Martín valley. Cipriano began telling us how he learned to craft the flutes when he was still a shepherd, how he did not knew of anyone else alive that would know how to make one, and how one day a group of Portuguese brought him two vulture wings for him to create two flutes. One of those flutes, he told us, would be in a museum in Lisbon. The Sun began to set over the valley, amidst a choir of Alpine Swifts and Choughs, while we spoke of an interview Cipriano gave to a television channel, of the Iberian Goats that could be found throughout those hills (I saw none, but did saw goat scat), and of this year's tomato harvest (already done).

Convidou-nos a ver as flautas. Seguimos colina abaixo até casa dele, onde nos esperava a sua esposa. Entrámos e foram-nos gentilmente servidas bebidas e um pequeno lanche. Surgiram então dois pequenos artefactos ósseos - flautas ligeiramente arqueadas, com cerca de 25cm de comprimento, com entalhes em cruz. Uma, mais brilhante, Cipriano sublinhava, havia sido feita a partir de ossos do abutre Português (era de facto mais brilhante, mas não creio que a nacionalidade afecte o lustro ósseo). A nosso pedido, Cipriano tocou um pouco - e surpresa, soava mais a gaita-de-foles que a flauta. Gaita era também o termo com que se referia aos instrumentos musicais. Foi por esta altura que Cipriano (filho) nos trouxe um póster sobre flautas ósseas, produzido pela equipa de zoo-arqueologia do Instituto Nacional de Arqueologia - estava explicado onde em Lisboa se encontra a flauta. Perguntei ao antigo pastor se o podia desenhar, ao que me disse que sim. E assim estivemos durante cerca de 15 minutos, a desenhar um dos últimos (o último?) fabricante de flautas de osso de abutre./Cipriano invited us to see the flutes. We followed downhill to his house, where his wife awaited. Inside we went, and drinks and a small meal was kindly offered. It was then that two small bone artifacts were produced -- slightly curved flutes, roughly one foot long, with cross carvings. One, shinier, Cipriano mentioned, had been crafted from the bones of the Portuguese vulture (it was shinier indeed, but I have my doubts that nationality affects sheen). Upon request, our host played a bit -- and surprise, surprise, it sounded more like a bagpipe than a flute. At about this time, Cipriano (son) brought us a poster on bone-made flutes, produced by the zoo-archaeology research group of the Instituto Nacional de Arqueologia -- explaining thus where in Lisbon was the before mentioned flute. I asked the former shepherd if I could sketch him, and got his consentment. And so we spent around 15 minutes depicting one of the last (the last?) artisan of vulture-bone flutes.

Flauta de osso de abutre, retrato de Cipriano Gil e pormenores de Teruel
Vulture-bone flute, portrait of Cipriano Gil and details from Teruel

A noite já ia avançada quando nos despedimos e seguimos de volta a Teruel, agradecidos a este senhor e sua família pela disponibilidade e amabilidade com que nos receberam. Não me importava mesmo nada de ter passado mais tempo em Alcaine, mas ter lá ido umas poucas horas já foi bom. Muito bom, mesmo./The night was well on its way when we said goodbye and headed back to Teruel, thankful to this man and his family for their kindness and willingness to meet us. I would not have minded the slightest bit to have stayed longer in Alcaine, but even these few hours spent there were good. Very good indeed.

5 comentários:

  1. Estes relatos e estes desenhos mereciam ser publicados. Gosto da forma como contas a história - cuidada e despretensiosa.

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  2. Excelente crónica!
    Voltaste de Teruel com uns cadernos muito interessantes! Parabéns!

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  3. Helena e Filipe: muito obrigado a ambos. Acho que sem crónicas - simples que sejam, os desenhos ficam mais pobres. É essa simbiose que me agrada - por isso gosto tanto do termo ilustrador. E da necessidade da ilustração num texto.

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  4. Boa crónica! Na região de Miranda do Douro os tamborileiros e gaiteiros ainda fazem flautas de ulna de abutre. Em vários museus (Silves, Conímbriga, Nacional de Etnologia, Nacional de Arqueologia existem exemplares desses espécimes)

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  5. Anónimo: muito obrigado. Desconhecia de todo esta informação - aliás, pensava que o material do museu Nacional de Arqueologia (o material moderno, entenda-se) era apenas proveniente de Espanha. Se acaso um dia destes passar por esses locais, certamente vou procurar esses exemplares.

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