Entre 362 e 175 anos a.C., na fronteira dos reinos de Tuath Cruacháin e Tuath na Cille, um corpo foi arremessado para uma turfeira. Ou o que sobrava dele.
Conhecido como o Homem de Oldcroghan (Oldcroghan Man), foi descoberto em Maio de 2003 durante a abertura de um canal de drenagem no condado de Offaly, República da Irlanda. Sabe-se que terá morrido com cerca de 25 anos. Sabe-se também que teria cerca de 1,90m. Dizem-nos as suas mãos pouco marcadas que terá sido poupado a grandes esforços físicos. Dizem-nos as suas unhas que terá subsistido durante os seus últimos quatro meses de vida com uma dieta à base de carne. E - dizem-nos os conteúdos estomacais - terá tido uma última refeição de cereais e manteiga.
Na Irlanda da Idade do Ferro, os sacrifícios humanos eram parte importante das culturas locais. Frequentemente associados a consagrações régias, simbolizavam o vínculo do novo rei com as divindades veneradas. Eram depositadas ao longo das fronteiras do reino oferendas como armas, alfaias agrícolas ou mesmo alimentos. Mas não só.
O Homem de Oldcroghan morreu trespassado no peito - não sem antes ter sido atingido num braço enquanto se tentava proteger. O seu corpo foi decapitado, o tronco separado do abdómen e os mamilos decepados. Sugar os mamilos mutilados de um rei era um ritual de submissão corrente à época - talvez o Homem de Oldcraghan fosse um rival, deste modo humilhado e marcado como indigno de reinar. Ou talvez apenas a pessoa errada no local errado na altura errada. Uma vez morto, os braços foram trespassados por cordas - talvez para prender lastro e manter o corpo no fundo da turfeira, talvez como marca tabu - e deixado na fronteira dos dois reinos vizinhos.
Repousou mais de dois mil anos na turfeira, onde as condições ácidas e a ausência de oxigénio permitiram uma preservação magnífica do Homem de Oldcroghan. As mãos conservam as impressões digitais. As entranhas, vestígios da última refeição. E o seu corpo mutilado revela-nos mais uma faceta de uma cultura que tinha tanto de rica como de cruel.